Diários de Bicicleta é uma síntese do livro com o mesmo nome, escrito por David Byrne ao longo dos últimos anos. Num estilo despojado que passeia entre ensaio, relato de viagens, diário pessoal e albúns de fotografia, David Byrne registra também suas reflexões sobre uma variedade de assuntos. O livro foi publicado no Brasil pela editora Amarilys.

sábado, 29 de maio de 2010

São Francisco

David Byrne*
Estava chovendo quando chequei aqui ontem à noite, mas hoje o céu clareou e esta cidade brilha com  a luz cristalina do norte da Califórnia, que faz tudo se destacar. Todos os prédios e pessoas têm linhas duras e frias. É bucólico e difícil de acreditar - uma paisagem de cartão postal, irreal. A bicicleta dobrável que eu trouxe vai ser útil.
São Francisco é filosófica e politicamente simpática às bicicletas (na foto, faixa de proteção para bicicletas, perto da rua Castro), mas não em termos geográficos - suas famosas ladeiras podem fazer alguém pensar duas vezes antes de dar umas voltas pela cidade, mesmo com a cidade propriamente dita sendo concentrada, como Manhattan ou uma cidade europeia. A organização de ciclismo local lançou um mapa maravilhoso que mostra, pela variação de tons de vermelho, o quanto cada rua é íngreme. Uma rua marcada de rosa claro é uma subida leve, mas um vermelho escuro é uma grande ladeira a ser evitada, a não ser que você seja masoquista. Felizmente, esse mapa permite que se planeje uma viagem livre de ladeiras em uma única olhada. Eu não teria pensado nisso, mas você pode planejar uma rota partindo e chegando a quase qualquer lugar e evitar as piores ladeiras - ou quase.
Minha amiga Melanie, organiza uma excursão até a sede da Aplle em Cupertino, próximo daquí, ao sul, e um almoço com o diretor de arte, Jonathan Ive (foto). A equipe de Ive desenhou o iMac original e seus sucessores, o iBook original e seus sucessores, o Power Mac, o Power Mac G4 Cube, o PowerBook, a família iPod e muito mais.
Ive faz uma pequena apresentação com um PowerBook desmontado, mostrando-nos que mesmo por dentro ele é inteligente e elegantemente projetado. Ele parece tão orgulhoso dos intricados mecanismos e peças invisíveis da parte interna como do elegante lado externo. Ele acredita que o design envolve tudo: não é apenas uma decoração do lado de fora que faz tudo parecer bacana, mas se estende às coisas que a maioria de nós nunca vai ver. Nos círculos da Bauhaus e da Wiener Wetkstätte, enfeites desnecessários eram proibidos - considerados não essenciais e supérfulos à integridade do objeto ou da arquitetuta - e assim eram descartados. É famosa a comparação de Adolf Loos¹ entre a decoração e o diabo. Será que o orgulho de Ive pelo design total de seus Power Books carrega desse legado?
Não acho que essa demonstração seja apenas uma questão de ego e orgulho. Ive sugere que, de fato, um interior elegante faz a coisa funcionar melhor também - que um bom design se iguala a uma boa funcionalidade - que se o verdadeiro caminho do bom design for seguido da maneira criteriosa, então não só o objeto terá uma aparência atraente, mas será também um objeto melhor.
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¹-N.T.: Arquiteto europeu conhecido pela autoria de um ensaio/manifesto intitulado Ornamento e crime, no qual proclama que a evolução da cultura progride com a eliminação da ornamentação em objetos utilitários.
* David Byrne, é mundialmente conhecido por seu trabalho como músico à frente da banda Talking Heads, cult dos anos 80. É formado em Design e vive desde o final da década de 70 em Nova York, onde utiliza desde então a bicicleta como meio de transporte. Escreveu Diários de Bicicleta, Editora Amarilys.

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