Diários de Bicicleta é uma síntese do livro com o mesmo nome, escrito por David Byrne ao longo dos últimos anos. Num estilo despojado que passeia entre ensaio, relato de viagens, diário pessoal e albúns de fotografia, David Byrne registra também suas reflexões sobre uma variedade de assuntos. O livro foi publicado no Brasil pela editora Amarilys.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

San Francisco III

David Byrne*
Não é por acaso que a humilde garagem onde Bill Hewlett e Dave Packard começaram sua sociedade em Palo Alto é um ícone aqui. Como o estúdio Sun, em Memphis, onde nasceu o rock, ou Menlo Park, em Nova Jersey, onde Edison iluminou o mundo, esta garagenzinha bagunçada é reverenciada, em parte, porque não é nada especial. Ser tão comum é justamente o xis da questão. O primeiro produto deles foi um oscilador de áudio para testar equipamentos de som. A HP se refere a ele como "o tom ouvido ao redor do mundo".
A garagem é considerada o local de nascimento do Vale do Silício, o que a transforma na perfeita metáfora visual da doutrina qualquer-um-pode-fazer, que ainda está bem viva por aqui. Comece pequeno, pense grande. Pense fora da caixa. Pense diferente.
São todos pensamentos hippes, mas com outras palavras.
No primeiro boom das ponto-com, os preços das propriedades em uma cidade cercada como São Francisco (ou Manhattan) naturalmente dispararam. Garotos recém-formados que não estavam no mundo das ponto-com - jovens artistas, músicos, escritores, atores, excêntricos e boêmios, o tipo de gente pelo qual essa cidade era anteriomente famosa ( e que podem ter sido a inspiração para os sujeitos das ponto-com) - foi empurrado para as margens ou para Oakland e outros lugares.
No final dos anos 90 tudo aquilo ruiu, mas os preços das propriedades nunca baixaram de volta ao que eram antes. O vasto número de espíritos livres e boêmios nunca voltou após ter sido desalojado. O mundo mudou sim um pouquinho com a primeira revolução ponto-com, mas não de forma total, radical e completa como alguns imaginavam. Nem todo mundo estava pronto para viver inteiramente on-line tão rápido quanto alguns tinham apostado.
Talvez com a Web 2.0, com seus websites comerciais mais socialmente interativos e responsivos - e com Wi-Fi e banda larga mais rápida e bem mais distribuída - algumas dessas mudanças imaginadas possam realmente ocorrer em nossas vidas, mas não com as coisas que a primeira revolução prometeu.
Paradoxalmente, enquanto se torna cada vez mais fácil organizar todo tipo de serviço por nossos telefones ou laptops e acessar informações sem limites, o interesse e a procura por coisas que não podem ser digitalizadas aumenta: performances ao vivo, encontros cara a cara, interações, experiências, gostos, tranquilidade.
Aqueles que frequentam redes de relacionamento social passam a valorizar a autenticidade como um tipo de compensação, já que essas qualidades podem ser falsificadas com muita facilidade no mundo on-line.
*David Byrne, músico, fotógrafo e escritor, mora em Nova York e utiliza a bicicleta como meio de transporte desde o final da década de 70. Escreveu Diários de Bicicleta, publicado no Brasil pela editora Amarilys.

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