Diários de Bicicleta é uma síntese do livro com o mesmo nome, escrito por David Byrne ao longo dos últimos anos. Num estilo despojado que passeia entre ensaio, relato de viagens, diário pessoal e albúns de fotografia, David Byrne registra também suas reflexões sobre uma variedade de assuntos. O livro foi publicado no Brasil pela editora Amarilys.

domingo, 30 de maio de 2010

Cupertino - (San Francisco II)

David Byrne*
Mas então olho para Jonathan (na foto com Steve Jobs), de camiseta e com o cabelo quase raspado, e percebo que, sim, ele parece uma versão um pouco mais velha de qualquer garoto clubber britânico. Será que não deve ser chato para ele morar aquí em Cupertino?
Cupertino fica ao sul de São Francisco e a oeste de San Jose. É uma cidade pequena que fica encaixada entre colinas costeiras e vinícolas. Não há muito por aquí - alguns centros empresariais, shopping centers e uma maravilhosa mercearia asiática. As colinas a oeste abrigam muitas das novas mansões que os tecnocratas construíram. Não muito longe estão Hewlwtt-Packard, Google, Sun Microsystems e outras empresas do Vale do Silício, que transformaram uma área anteriormente conhecida como o lar da Universidade de Stanford e a pacata cidadezinha de San Jose em uma usina de ideias, inovações, computadores e TI. A região registra uma intensa concentração de engenheiros, nerds, técnicos, empreendedores, visionários e parasitas.
Pelo que posso dizer, não há muita coisa para se fazer nesta parte da baía. Pedalo minha bicicleta bem sem rumo, descendo por avenidas limpas e impecáveis, e não vejo ninguém por perto - nem caminhando nem de bicicleta. (na foto, Cupertino Memory Park) Todas as vias levam a lugares que são versões do que eu acabei de deixar para trás. Pergunto se o pessoal daquí vai para São Francisco para assistir a shows, mostras ou para provar a inovadora cozinha dos restaurantes de lá. Não, esses caras simplesmente amam seus trabalhos, então eles ficam plantados aqui em seus belos subúrbios, trabalhando até tarde, ou levam trabalho para casa.
Há quantias gigantescas de dinheiro aqui. Na época dos Carnegies, Fricks, Mellons, Dukes e Lauders, bilionários faziam estardalhaço apoiando museus de arte local, hospitais, bibliotecas ou outras causa ou instituição de caridade - como Bill Gates fez com a sua Gates Foundation e Paul Allen fez com a Experience Music Project. Mas o que eu mais sinto é que esta turma prefere encarar desafios dentro de seus próprios ramos escolhidos - desenvolvimento de software, tecnologia de Internet, aparelhos bacanas e o que acontece quando você junta tudo isso. Tenho a sensação de que pelo menos alguns deles não ligam muito para todo o dinheiro que estão ganhando também - eles estão ocupados demais para contá-lo. Tudo é tão real quanto Second Life.
Lembro de São Francisco durante o primeiro boom das ponto com. Naquela época todo mundo ia começar seu próprio negócio on-line, o mundo ia mudar da noite para o dia e os investidores estavam fazendo fila para dar dinheiro a todos os geeks com uma ideia vaga, uma boa conversa e algumas habilidades em programação. O fervor e o entusiamo daquela época podem ser comparados ao Projeto Manhattan e seu empenho na cosntrução da bomba atômica. Isto é, era excitante e tinha potencial para mudar o mundo. Mas aquí a mesma paixão missionária foi incorporada pelos inventores/empreendedores malucos. O futuro parecia pré-ordenado - ninguém jamais precisaria sair de casa novamente. Toda ideia era uma ótima ideia, revolucionária, abalaria o mundo. Não é de se estranhar que o mundo da Web às vezes seja descrito como um legado da era hippie - mais com brinquedos mais caros.
* David Byrne , é músico, fotógrafo e escritor. Nasceu na Escócia e mora em Nova York desde o final da década de 70, onde utiliza a bicicleta como meio de transporte. Escreveu Diários de Bicicleta, publicado no Brasil pela editora Amarilys.

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