Diários de Bicicleta é uma síntese do livro com o mesmo nome, escrito por David Byrne ao longo dos últimos anos. Num estilo despojado que passeia entre ensaio, relato de viagens, diário pessoal e albúns de fotografia, David Byrne registra também suas reflexões sobre uma variedade de assuntos. O livro foi publicado no Brasil pela editora Amarilys.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

LONDRES (I)

David Byrne*
Londres não é uma cidade planejada, o que pode ser tanto bom como ruim para quem anda de bicicleta. Conhecendo bem as ruas, você pode ziguezaguear pela cidade e escapar das grandes e congestionadas avenidas que serpenteiam através do labirinto de ruas menores. Usando essas artérias secundárias, é possível chegar até seu destino percorrendo mais ou menos a menor distância entre dois pontos. Por outro lado, como não sou um nativo, acabo tendo que consultar o mapa várias vezes, já que as longas ruas daqui podem fazer com que as pessoas se percam – você pode, por exemplo, estar indo para noroeste e não para oeste sem nem se dar conta e ir se afastando gradativamente do seu caminho por quilômetros.
Londres é enorme para uma cidade antiga. A maioria das capitais européias é bem compacta, mas Londres, que na verdade é uma junção de vilarejos menores, tem vários centros, e seus lugares interessantes podem estar a quilômetros de distância uns dos outros. Como resultado, suas pedaladas podem ser longas e árduas. Isso não implica necessariamente uma viagem mais demorada do que se você fosse de metrô, mas às vezes eu chegava meio suado ao meu destino.
Depois de muitos anos, aprendi a não preencher todos os meus dias de viagem só com trabalho e a separar um pouco de tempo livre, um respiro, para que eu pudesse manter a sanidade apesar da sensação de deslocamento que acompanha essas viagens. Vagar pelas ruas limpa a sua cabeça de problemas e preocupações que podem estar se esgueirando e, às vezes, pode até ser inspirador. Eu prefiro ir a exposições de arte contemporânea por ser uma área coma qual estou envolvido...
Estereótipos Culturais
Começa a escurecer enquanto eu volto para o hotel. Pedalar por essas sinuosas ruas secundárias é um prazer, especialmente em um dia de sol. A cidade tem proporções bastante humanas e “casinhescas”, como diz minha amiga C.
Imagino que existam normas limitando a altura dos prédios em vários bairros daqui. Ao longo dos anos, isso forçou a cidade a crescer desenfreadamente, o que por sua vez, piorou o trânsito. Em geral, os prédios têm menos de dez andares, e esses detalhes de escala e da arquitetura contam uma história sobre como os ingleses se enxergam como pessoas e como nação. “Nós podemos ser sofisticados, elegantes e aristocráticos; titãs criativos; imperialistas e exploradores, mas no final das contas, somos pessoas simples do campo, acostumados a viver em casinhas”....
Saio das ruas secundárias e chego às grandes vias públicas como a Regent Street e a Piccadilly, que são bem complicadas para os ciclistas por causa de seus enorme ônibus vermelhos e da ausência de ciclovias, embora de modo geral eu venha tendo sorte com o clima e o trânsito.
Tomo alguns drinques com Verity McArthur, da Roundhouse, uma casa de eventos reformada há pouco tempo, e Matthew Byam Shaw, um proditor da peça Frost/Nixon, e algumas outras pessoas.
Nós nos encontramos em um clube particular em Convent Garden chamado Hospital, montado recentemente ao que parece por Dave Stewart (da banda Eurhythics) em um antigo, bom, hospital. (click e veja).
Quase todo mundo está com seus laptops abertos sobre as mesas do lugar. Todos interagindo, trocando e-mails e mensagens instantâneas (imagino eu), e bebendo, tudo ao mesmo tempo. Talvez eles estejam todos em meio a uma frenética socialização virtual - tentando decidir para onde irão mais tarde? Ou será que a interação com pessoas reais não é tão estimulante?
O pessoal por aquí adora esses clubes particulares, e eles só começaram a aceitar mulheres depois dos anos 80, mais ou menos, pelo que me disseram. Isso deve ser um legado do sistema de classes que ainda se perpetua obstinadamente de várias maneiras. Sob essa ótica classista, as pessoas precisam se diferenciar do "povão" sempre que possível - com seus discursos, roupas e, é claro onde elas bebem. Mesmo que não seja da alta sociedade, é preciso se isolar de quem está um pouco abaixo ou até mesmo daqueles ao seu lado que são diferentes de você de alguma maneira.
* David Byrne , escocês, músico e escritor, reside em Nova York desde o final dos anos 70

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